Offline
MENU
Cordel: Cocorobó - Aquário Vermelho
Autor: Ivaldo Batista
Por Cláudio Rocha
Publicado em 05/10/2025 01:55 • Atualizado 06/10/2025 14:11
Coluna do Cordel

   Visite a Coluna do Cordel - CLIQUE AQUI!  

 

 

Sejam muito bem vindos à Bahia

Na poesia iremos passear

A história que vamos reportar

Num contexto de fim da Monarquia

Quando nossa República surgia

Afligia o povo brasileiro

Quando sofria o sertão inteiro

Carecia o povo de utopia.

Eu cheguei com carisma e simpatia

Mui prazer: Sou Antônio Conselheiro.

 

Na capa do cordel sou eu barbudo

Sou magricelo, mas nada me abala

Eu sobrevivi a chuva de bala

Meu corpo funcionou como um escudo

Você que veio à nova Canudos

No semiárido sertão baiano

A cidade tem só quarenta anos

Mas estou passando pra te lembrar.

O meu sonho está mais acolá

O velho Belo Monte dos meus planos.

 

Você que vem fazer só excursão

Ou turismo para desparecer 

Com certeza jamais vai esquecer

Vai lhe render boa reflexão

Nos sertões eu fiz peregrinação

Já plantei a semente da alegria

Neste chão um Brasil novo nascia

Eu preguei qual profeta do deserto.

Minha sociedade aqui deu certo

Fui Messias perto de quem sofria.

 

Na história oficial contada

Mostra só a versão dos vencedores

Do Estado covarde que impôs dores

À comunidade aqui instalada

Que vivia tão bem sem dever nada

A Santo Antônio pode perguntar

Monte Santo, Euclides e Uauá

Se quiser decifrar meu Belo Monte.

A história oral é nossa fonte

Motta viu tudo isto se passar.

 

Sertão é terra de homem valente

Seu Antônio Vicente Maciel

Na região provou jiló e fel

Como um cacto tornou-se resistente

Tão admirado por sua gente

De Jeremoabo a Juazeiro

Era respeitado o Conselheiro

Tal testemunho ouvi em Chorrochó.

Que as águas aqui do Cocorobó

São as lágrimas deste sertão inteiro.

 

O arraial fundado em Belo Monte

Em mil oitocentos e noventa e três

Incomodava aos homens das leis

Com o capital batia de fronte

Trazia ao sertanejo um horizonte

Desmonte do conceito capital

Era um modo de vida triunfal

Surreal num sertão explorador.

Aos coronéis faltavam o labor

Exigiam destruição total.

 

Belo Monte fazenda abandonada

Como tantas aí improdutiva

Virou sociedade alternativa

Numa ação muito bem coordenada

Imaginem se fosse copiada

Imitada em toda região

Ou quem sabe o modelo pra nação

A tal sociedade igualitária.

Sugerindo que a reforma agrária

Acabasse de vez a exploração.

 

A experiência bem sucedida

Belo Monte virou laboratório

Tal ensaio no mundo foi notório

No sertão um oásis nos deu vida

Um batalhão de gente excluída

Viu a terra prometida de fato

O boato saiu ali do mato

A sociedade que dava certo

Todo mundo queria ver de perto

Por amor ou por ódio ao beato. 

 

Quem há de ser os heróis em Canudos

Os vinte e cincos mil pobres atacados

Ou os cinco mil soldados coitados

Enganados muitos morreram mudos

Tal massacre ordenados por graúdos

Pra Euclides foi uma covardia

Ver o exército que combatia

Diante daqueles pobres em pé.

Quem lutou nesta Canaã por fé

Virou alvo de forte artilharia.

 

Quatro batalhas sangrentas demais

Enfrentadas pelo pobre arraial

Três dessas ferem a honra nacional

Tal história não vai para os anais

Não é pra afrontar os generais

Mas o mal exemplo foi pra história

Essa mancha macula a trajetória

Foi questão de honra ter que vencer.

Exterminar todos e esconder

Foi varrer tudo pra contar vitória.

 

Arraial que juntou os excluídos

Índios e os povos pobres largados

Negros libertos e abandonados

Nordestinos nos sertões esquecidos

Conselheiro ouvindo tais gemidos

Confortou todos os desamparados

Belo Monte trás vida aos condenados

O viver deles passa a ter sentido.

Não havia opressor ou oprimido

Os progressos eram noticiados.

 

Essa guerra não tem razão de ser

Não foi republicana ou monarquista

Talvez receio de ser comunista

Essa ideia parece enlouquecer

O poder lutou pra tentar deter

O capitalismo sentiu o cheiro

Não reza nesta cruz nem no cruzeiro

O Exército vestiu-se pedagogo.

Sempre o RED ou RUBRO levou fogo

Mas sobrou o sonho de Conselheiro.

 

Fui o sonho dessa gente sofrida

Que o Brasil poderoso achou estranho

Reuni comigo grande rebanho

Aqui em Belo Monte dei guarida

Gente que nasce aqui é aguerrida

Tem na alma o poder libertário

É um povo valente e solidário

Seu sangue corre no leito do rio.

Vaza barris RED é desafio

É COCOROBÓ rubro esse aquário.

 

Com a visão de Conselheiro eu vejo

Mesmo submerso Canudos vive

Arqueólogo vira detetive

Pode andar nas ruas no lugarejo

Ver a igreja e sertanejo andejo

Decifrar o perfil da truculência

Só não vai achar traço de clemência

Do Estado que abandonou a fé.

Nordestino tem coco catolé

Qual coite simboliza resistência.

 

Se faltar água em Cocorobó

A verdade escondida aparece

A memória do povo não perece

Na identidade não se dá nó

Nessa escuridão vai bater o sol

A luz vai mostrar a barbaridade

Desse crime contra a humanidade

Que destruiu um povo e seu rosário.

Ache um termo fiel no dicionário

Que descreva o calvário da cidade.

 

Há cento e trinta anos do combate

Da expedição neste arraial

Trinta anos do parque estadual

A UNEB traz luz a este embate

Temos na romaria um debate

Realista e até documentário

Conselheiro está no imaginário

Lendário qual Moises e o mar vermelho.

Cocorobó reflete este espelho

Um milagre de cunho autoritário.

 

Vamos lá ver o alto das memórias

Gente que vence seca arrasadora

Nas imagens só gente vencedora

Cujas lutas mostram suas histórias

Cicatrizes de suas trajetórias

Tantas glórias de um sertão guerreiro

Belo Monte valente formigueiro

Verdadeiros heróis neste cenário.

A vergonha produziu este aquário 

Que sacia o chão do Conselheiro.

 

Nosso sertão baiano irrigado

Com água, sangue e restos mortais

Faz sertanejo colher muito mais

Nos canais o líquido abençoado

Faz o profeta sempre ser lembrado

Que chegou peregrino e forasteiro

Mas prometeu milagre verdadeiro

Não tem mar, mas temos um balneário.

Na barragem nós temos um aquário

Que da vida ao sonho de Conselheiro.

 

Euclides da Cunha nos fez saber

Por meio de sua literatura

Quem leu “Os sertões” tem nova leitura

Hoje Euclides é nome de TV

Que informa tudo para você

Que o sangue sinônimo de paixão

Tantas vezes tingiu este sertão

Houve morte, vida e desespero.

Cocorobó ganhou esse tempero

E a nação faz esta degustação.

 

Do jeito como o gato enterra

O prudente demais autorizou

A chacina em Canudos enterrou

Sob o pretexto de irrigar a terra

Mas ainda hoje o bode berra

As margens do rio vaza-barris

Lembra a Matadeira e os fuzis

Alvejando o povo de Conselheiro.

Testemunhou um pé de umbuzeiro

Que assistiu a luta de dois brasis.

 

Foi pesadelo ou sonho enterrado

Esmagado e calado sem dó

Submerso está em Cocorobó

O vaza-barris tem testemunhado

E pra o oceano tem gritado

Onde Euclides da Cunha não chegou

Onde os “Sertões” não denunciou

Exumar vai revelar toda trama.

Dos mistérios escondidos na lama

Neste drama imprudente fracassou.

 

O tal Belo Monte está inundado

Vejo transformado num grande aquário

Cocorobó viu neste estuário

Toda selvageria do pecado

Tanta água ao sangue misturado

Que a barragem mostra outra tintura

Lá em baixo o peixe ver sepultura

Mas quem teme a Deus está de joelho.

Cocorobó tal aquário vermelho

Seja lá qual for a tua leitura.

 

Eu sai lá de Quixeramobim

Ceará no Nordeste brasileiro

Dei conselhos por isso sou Conselheiro

Tive em Belo Monte um triste fim

O mundo sempre lembrará de mim

Ajudar a todos eu me propunha

A qualquer injustiça eu me opunha

Tive um fim amargo que nem jiló.

O aquário rubro de COCOROBÓ

Será no mundo minha testemunha.

 

 

 

Comentários
Comentário enviado com sucesso!